top of page

A cena eletrônica universitária: cultura, identidade e comportamento

  • the eletronist
  • Apr 28
  • 7 min read

Updated: May 5

A relação da música eletrônica com a liberdade cultural e o público jovem

Por: Ana Clara de Angelis e Sophia Pacheco


Step, Acid, House, Disco, Tecno, EDM. Os subgêneros são amplos e podem ultrapassar, atualmente, mais de 300 nomenclaturas diferentes. A divisão, no entanto, não é a principal a ser compreendida. O que verdadeiramente é colocado em discussão é a essência que originou e conecta tudo isso: desde a busca incessante por novas experimentações ao público que ama e sente cada microssegundo das melodias. Estamos nos referindo à música eletrônica.

Com uma origem paradoxal, por meio de uma vertente da música clássica, mas, ao mesmo tempo, mitológica, com o Dionísio Dourado, o reconhecimento do gênero eletrônico só chegou a partir da década de 1970, em especial nos Estados Unidos, com a popularização de acesso a equipamentos tecnológicos para a população no geral. Desse modo, fitas cassete, sintetizadores, amplificadores, teclados, samples, sons artificiais, entre outros, moldaram essa fase inicial de adesão, constituída de músicos entusiastas e experimentadores que viam na eletrônica uma nova fronteira para a criação sonora.

Bandas como ABBA, The Beach Boys, Depeche Mode, A-Ha e cantores como Donna Summer, Michael Jackson e Cher desempenharam um papel imprescindível para a disseminação da música eletrônica, tanto como um gênero consolidado quanto como uma oportunidade para testar novas combinações com outros estilos. Tantos outros grupos e artistas musicais desenvolveram, à sua forma, uma ponte de visibilidade entre a experimentação e o mainstream, ou seja, de uma linguagem sonora restrita apenas aos conhecedores mais íntimos para uma força cultural e global.

Para além desses sucessos, esses artistas conseguiram a façanha de encantar um público oposto ao daqueles músicos experimentalistas originais (e que, devido ao temperamento rebelde, não se interessa facilmente por qualquer coisa): os jovens. Consolidando-se enquanto os maiores consumidores do gênero, afirma-se que a juventude foi e continua sendo uma engrenagem imprescindível para o crescimento e a continuidade da música eletrônica, que iniciou essa influência de maneira inesperada e massiva. 

O movimento eletrônico evoluiu com o passar do tempo, e não só ultrapassou as fronteiras dos clubes e das grandes produções comerciais, mas também se infiltrou em outros espaços culturais, proporcionando uma maior liberdade de testes e reinvenção a cada geração. Se antes o disco inundava as pistas de dança com sua sensualidade e animação, hoje, os diferentes tipos se abrem para fusões inusitadas com o pop, jazz, hip hop e outros espaços de diversas partes do mundo. E uma dessas infiltrações, tanto sonoramente quanto no campo das sensações e imersões, é no ambiente universitário.


Luzes e clima vibrante marcam a atmosfera dos eventos universitários | Foto: A J. na Unsplash
Luzes e clima vibrante marcam a atmosfera dos eventos universitários | Foto: A J. na Unsplash

Nos últimos anos, as universidades passaram a ser um terreno fértil para as experiências sonoras e imersivas, um reflexo da essência do gênero, que sempre foi movido pela jovialidade, inovação, rebeldia, emoção e tecnologia. Os universitários ampliaram a conjuntura desse tipo de música ao transmutar a relação de consumidor-produtor: eles deram a oportunidade (que se iniciou no espaço de faculdade, mas não se limita a ele) de produção musical, de ser dono da sua música, de ser DJ. Uma oportunidade de interação com os sons e tecnologias digitais para criar formas de expressão. Ademais, também promoveram maior interação com as manifestações culturais e sociais, por meio da criação de festivais, festas, eventos e baladas que amplificaram a expressão identitária e sensorial, fazendo com que esses jovens se sintam parte da narrativa e livres junto a outros grupos que compartilham valores, interesses e experiências semelhantes. Para Enzo Ferraz, 19, “Sentir a música com amigos e sozinho são experiências diferentes, mas complementares”.

Essa tendência cresce cada vez mais ao redor do globo e, principalmente, no Brasil, que tem um aumento no número de artistas e DJs que contribuem para essa cena. Em consequência disso, pubs, bares e casas de shows têm crescido exponencialmente ou aberto suas portas novamente, em especial, em cidades com um alto índice de desenvolvimento e até aquelas conhecidas como “cidades universitárias”. É por isso que Uberlândia, enquanto centro urbano que atende essas duas características, é marcada cada vez mais pela presença de festivais, shows e constante movimentação em ambientes como a Hype, Arquibancada Sports Bar, London Pub, Liv Pub e até o Praia Clube, que têm aspirado atender esse público.

Espaços como esses fornecem uma experiência sensorial além do simples ouvir das músicas. Segundo Ferraz, estudante uberlandense, admirador do gênero e frequentador dos locais citados, a música eletrônica tem um som mais variado e com maior leveza, o que contribui para um ambiente mais espontâneo em relação a outros estilos musicais. Ele concorda que a questão tecnológica influencia em um recorte de público mais contemporâneo, com uma visão mais “atual”, em que os remixes popularizam as músicas e as adaptam para ambientes e gostos diferentes.


Cena em transição


Singularmente, essa “popularização” pode ser observada com mais afinco em um momento de pós-pandemia, marcada principalmente pela influência do TikTok enquanto plataforma que permite a ascensão de novos artistas e novas oportunidades de mixagens de músicas. Define-se, desse modo, uma tendência ainda maior de reconhecimento do gênero, já que há um estilo mais rápido, dinâmico, chamativo (“que gruda”) e moderno. Ainda voltado para o público jovem, por ser o mais presente nas referidas redes sociais, seu contato com as tendências e o costume com o som sequenciado e marcado auxilia para um mercado totalmente reinventado. Esses fatores, em contribuição com a necessidade de reconexão humana, estabelecida pela era pandêmica vivenciada, servem como uma espécie de sobreposição do ambiente digital, tornando suas experiências ainda mais marcadas pela tecnologia midiatizada. Dessa forma, amantes do gênero como Ferraz descobrem cada vez mais músicas por meio do TikTok e aplicativos digitais como o Spotify, ao passo que, antes, seu contato com a música era marcado pela presença nos filmes e outras mídias digitais.

Essa capacidade de adaptação e mesclagem permite mais possibilidades de atração de coletivos sociais cada vez maiores. Para Guilherme Marques, 25, que se intitula como “DJ PURGE” e toca exclusivamente eletrônica, é almejado que cada vez mais pessoas conheçam o gênero: “O que eu acho que tem nesse estilo musical que é atrativo para o público jovem é a essência dele no geral, que é basicamente que todo mundo é bem-vindo. É um gênero que não tem um tipo específico de se dançar. Então, é basicamente para todo mundo e tem muitas e muitas vertentes, o que facilita para ter adesão”. O artista discorda da opinião do estudante, que afirmou não ter uma experiência positiva com os ambientes universitários quando o assunto é a presença de outros estilos musicais. Isso demonstra, para além de uma complexidade do cenário musical entre os jovens, as disputas simbólicas sobre pertencimento, identidade e expressão cultural entre eles.


DJ PURGE | Divulgação: Assessoria do artista
DJ PURGE | Divulgação: Assessoria do artista

Em um cenário onde a maior influência advém de um contexto internacional, em que até DJs brasileiros com maior reconhecimento ao redor do globo tendem às produções em inglês, seu ponto principal de capacidade de mixagem com qualquer som acaba sendo desviado. Por isso, em forma de um pseudo “protesto”, o público brasileiro busca a presença da eletrônica somada com os funks e as montagens, conhecidas como MTGs. Enquanto consumidor, Ferraz, que é mais familiarizado com subgêneros como o Deep House, considera não fazer mais sentido chamar de música eletrônica ao misturar com esses estilos. Já PURGE sempre compactuou com essa mistura: “Se você estudar mesmo a essência da música eletrônica, você vai ver que o funk é também um tipo de música eletrônica”. Ele acredita que, mesmo com uma propensão separatista das categorias, se os artistas soubessem utilizar os dois, o público em geral se beneficiaria. 

Ainda na cena musical de Uberlândia, MG, é perceptível a necessidade de consolidação de um perfil que, embora influenciado por tendências globais, precisa de experiências mais dinâmicas e representativas de sua cultura, conectando-se diretamente com a formação de um público engajado nos eventos eletrônicos urbanos. Nesse sentido, um dos pontos discutidos por PURGE e que se enquadra em um desafio é justamente que parte do público, em vez de fortalecer a cena local que eles tanto pretendem, foca em juntar dinheiro para festivais maiores. Isso evidencia a necessidade de uma relação mais estreita entre o público e a cena, já que os agentes locais estão constantemente tentando estabelecer um diálogo e convidar a comunidade a se reconhecer e se envolver mais ativamente com o que é produzido na comunidade. Para o músico, que acompanha de perto essas conjunturas, é necessária maior integração: “Acho que tem um público definido aqui desse gênero sim. Eu acho que, em relação aos outros gêneros, ainda é um gênero de melhor aptidão, que é algo que dá para se melhorar sim. Tem um público bem-definido, bem fiel, mas acho que ainda falta a gente trazer cada vez mais pessoas para ele”.

À vista disso, apesar de esse panorama na cidade se mostrar em constante construção, impulsionada pela fidelidade de um público já estabelecido, pela necessidade de atrair novos ouvintes e a promoção da inclusão de diferentes expressões musicais, pode-se confirmar que os estereótipos dificultam essa total integração. Advindos das décadas de 1980 e 1990, esses pré-julgamentos têm raízes na relação entre esse tipo de som e o uso de drogas sintéticas, que se consolidaram com a disseminação do estilo rave e acid house, em um momento em que a “graça” era criar espaços totalmente imersivos, com batidas contínuas, movimentos hipnóticos e luzes piscantes. Embora exista essa vertente que busca uma embriaguez a partir do ecstasy e das bebidas, não representa o todo da cena: hoje, muitos eventos e DJs como PURGE realizam movimentos de conscientização e redução de danos, almejando um espaço mais seguro e inclusivo para todos, bem como a desmistificação desses estereótipos que não fazem nada além de reforçar barreiras e limitar o alcance e desenvolvimento da cena. Reduzir a historicidade da música eletrônica a estigmas do passado desconsidera sua evolução, suas ramificações diversas e seu potencial transformador no contexto urbano contemporâneo.

Assim como observado pelo estudante Ferraz, o público e os DJs devem manter uma relação de conhecimento mútua. É por meio desse convívio que as festas e ambientes se tornam chamativos para ambas as partes. Artistas tais quais Marques, que têm um vínculo diário com o estilo (e com fãs que o consomem), consideram essa categoria de música como algo que está totalmente presente em seu dia a dia: “Eu, todo dia que possível, consigo produzir um mashup, um remix ou alguma música autoral. Algo que está presente todos os dias e que a gente tem que se esforçar para estar sempre melhorando”. Por meio desse sentimento e de experiências marcantes em eventos como o CIA (Copa Inter Atléticas), vividos pelo DJ, entende-se como a conexão com o público e o ambiente universitário aumenta seu amor pela música e pode significar uma forma de expressão que ultrapassa uma simples mesa de som.


Set do DJ PURGE na Copa Inter Atléticas | Divulgação: Assessoria do artista

Além dos berços da música eletrônica em Chicago, Detroit e Nova York, a globalização desse estilo mostra que ela está literalmente em todo lugar, modificando-se e alterando o contexto a seu redor. Seja no calor das pistas universitárias, seja nos shows de grande porte (como a Tomorrowland), essa energia consolida o gênero como uma poderosa linguagem de ideias, sentimentos e pertencimento. É nessa vibração coletiva que apreciadores como Ferraz e DJs como Marques, encontram seu propósito: fazer da música um elo vivo entre o palco e a alma de cada pessoa presente.

 
 
 

Comments


bottom of page