top of page

O som eletrônico que move “Challengers”

  • Ana de Angelis
  • Apr 23
  • 4 min read

Updated: May 5


Por: Ana de Angelis


O que esperar de um filme que se inicia com o simples barulho do vento? E se você tivesse que adivinhar o tema central desse filme com base na escolha de quebrar esse silêncio com um coral infantil?

Com certeza, a resposta não seria tênis.

Trata-se de Challengers (em português, Rivais), do diretor Luca Guadganino e do roteirista Justin Kuritzkes. Com uma mistura de gêneros e uma característica identidade visual, claro que sua trilha sonora não poderia ficar de fora dos seus padrões nada convencionais da visão artística do diretor.

Considerando seu início como tema central, não seria a primeira opção do público supor que o gênero musical escolhido para o filme fosse a música eletrônica. A convite do diretor, porém, Trent Reznor e Atticus Ross utilizaram o synth para construir um álbum eletrônico voltado para o techno, indo além do gênero de trilha sonora cinematográfica. Assim, após participarem do último trabalho de Luca, o filme Bones and All (Até os Ossos, 2022), os membros da banda Nine Inch Nails, conhecida por seu estilo Rock Alternativo, consideraram o desejo do diretor de que a música guiasse o filme e que levasse à possibilidade de um público dançante, com batidas com grande peso rítmico e que misturassem tensão, paixão e obsessão ao longo do filme.

De forma geral, o filme é centrado nos três personagens Tashi, Patrick e Art (interpretados por Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist, respectivamente), e, por mais que utilize o tênis enquanto elemento de grande peso, ainda é apenas um objeto representativo das complexas relações entre as três estrelas. Assim, em um ambiente que envolve o esporte, o desejo, o interesse e o conflito, é claro que a música não poderia ficar de fora. 

Se o tênis é também um relevante personagem simbólico, a trilha sonora se apresenta como o último personagem principal do filme. É ela que dita o tom da obra cinematográfica, sendo impossível ignorá-la. Ela redefine a percepção do público, quebrando sua expectativa, e se redefine enquanto conflitante por si só (indo muito além disso). Em uma entrevista para a revista  “GQ”, os parceiros de banda contam que o processo foi desafiador em formas que outros trabalhos não foram. Mesmo participando da construção sonora de outros filmes, o processo em Challengers foi mais frenético: eles simultaneamente constroem uma história emocionante, enquanto, em momentos intimistas, há um balanceamento disso com uma música techno alta e marcante.

Esse contraste é presente de forma muito interessante desde o início da obra, que começa com o simples barulho do vento e é interrompido por um coral infantil. Essa é a primeira de muitas decisões ousadas tomadas pela dupla, e que, além da variação rítmica baseada na rapidez de batidas proporcionadas pelo tênis, também compreende tanto a tensão do jogo quanto o triângulo amoroso vivido. Assim, o álbum principal, composto por 16 músicas e construído com elementos do filme, auxilia na sua construção em uma relação mútua. Isso é evidente no nome das faixas, que remetem a falas importantes ditas durante as cenas ou ao que acontece em “I Know”, “The signal”, “Final Set”, “Match Point” e outras. 

Além disso, a contrastante movimentação de altos e baixos durante o filme, seja no tênis, seja nas relações entre personagens, é balanceada entre a presença da música eletrônica e a quebra desse padrão autoral de Reznor e Ross, remetendo fortemente à complexidade dos personagens principais (que vão de suas fachadas profissionais polidas para o contexto do tênis), a suas complicadas relações consigo, com os outros, e com o tênis. Logo, esses vínculos atribulados são refletidos dentro da composição do álbum principal da obra, composto de músicas rápidas e marcantes, canções de ninar e músicas clássicas britânicas.

A um olhar de fora, essa estrutura pode parecer completamente sem sentido, mas é precisamente nessas nuances que se estabelecem momentos de respiro da rápida e pesada Electronic Dance Music (EDM). Apesar dessa limpeza sonora, é justamente nos momentos marcados pelas músicas mais calmas que constituem cenários de tensão pessoal fora do jogo, ou seja, há conflito até nos momentos marcados pela calma. Essa estrutura vai além das composições originais, sendo complementada por outras canções como “Pecado” de Caetano Veloso e “Uncle ACE” de Blood Orange, que reforçam ainda mais o conflitante contraste presente. 

Para mais, a dupla ainda fez parceria com o produtor musical alemão Boys Noize para construir uma versão remixada do álbum original, composta por nove músicas que repensam, misturam e servem de preâmbulo para outras da versão original. Dessa forma, ainda encontram formas de criar um certo twist a mais em músicas já revolucionárias e que, mesmo sem qualquer tipo de letra, contam uma história inteira. E não para por aí: em ambos os álbuns, apenas uma faixa, intitulada “Compress/Repress” e apresentada apenas no fim do filme, contém uma letra escrita com Guagdanino e cantada por Reznor, refletindo o sentimento central de motivação. É um exemplo perfeito do estabelecimento de um ciclo coerente que faz o filme ter uma dinâmica própria, moldando-o em uma experiência completa e diferente de uma forma absurdamente interessante.

São filmes e trilhas como essa que nos levam à reflexão da importância da música como ditadora de como nos sentimos ao vivenciar diferentes histórias. Não é à toa  que o filme, assim como a trilha sonora, foram vastamente premiados internacionalmente, inclusive com um Globo de Ouro de “Melhor Trilha Original”. Challengers está disponível na Amazon Prime, e é um exemplo claro e inteligente da construção identitária de todos os elementos de uma obra de forma conexa, e que têm vida por si, mas que juntos ganham um sentido ainda maior, com destaque dentro ou fora do contexto em que estão inseridos. 

Seja você amante da música eletrônica, do diretor ou dos atores, do tênis, da moda, ou apenas de um bem construído storytelling, esse filme é para você. Se também não se interessa por nada disso, mas precisa de uma obra cinematográfica dinâmica e repleta de significados que te deixam na beirada do sofá, com um completo envolvimento, suas duas horas e 11 minutos de duração ainda valem para sentir algo. Ou ainda se este texto te causou interesse a ouvir a trilha sonora, os álbuns “Challengers (Original Score)” e “Challengers [MIXED]” estão disponíveis em todas as plataformas digitais de música, assim como o vinil está disponível para compra no site oficial da Amazon


Pôster oficial | Divulgação: Amazon MGM Studios
Pôster oficial | Divulgação: Amazon MGM Studios

 
 
 

Comments


bottom of page