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Do eletrônico à palavra do ano: a cultura além do "BRAT Summer"

  • Ana de Angelis
  • Apr 27
  • 7 min read

Updated: May 5

A mensagem por trás da relevante contribuição do álbum “BRAT” na cultura digital

Por: Ana de Angelis

Lançado em julho de 2024 pela cantora Charli XCX, BRAT foi um influente marco para a cultura musical. Além de ser o oitavo álbum de estúdio da artista, também foi um importante produto cultural fora da comunidade pop/eletrônica. 

Com um som impossível de se ignorar, ele não recebe rótulos e define seu próprio gênero ao misturar o “hyperpop” com a música dance eletrônica. Outra importante característica é sua capa, que estrategicamente inclina-se para o básico, utilizando da simples fonte “Arial” de baixa resolução com um fundo verde-limão. Esses dois elementos se complementam na enigmática construção de um ícone visual que chama a atenção e estabelece uma identidade visual própria logo de cara.

Foi pensando exatamente nessa característica que a artista se aproveitou deste elemento básico e enigmático capaz de transformar qualquer coisa em BRAT, ou seja, em uma estratégia de marketing. Charli utilizou então da maior ferramenta possível a seu favor, e a única capaz de propagar essa imagem através do mundo com ajuda não somente de fãs, mas também de qualquer consumidor da indústria cultural norte-americana: a internet. 

Assim, a era BRAT toma início mais de dois anos antes, com a criação de um perfil privado no Instagram que levava o nome do álbum, assim como sua primeira faixa. De tempos em tempos a artista tornava o perfil @360_brat público, permitindo seus fãs fazerem parte de um seleto grupo de contribuição direta com a construção do álbum. Pode-se dizer que a artista britânica aproveitou de uma base quase inteiramente McLuhaniana para a preparação do álbum, ao considerar durante todo o processo a interação permitida pela “Aldeia Global”. Nessa teoria, o autor se refere ao fenômeno de desaparecimento do tempo e espaço permitido pelas tecnologias e sua interdependência com o público. Dessa forma, a artista britânica dá à comunidade digital os materiais para que o próprio público permita a divulgação de sua música, utilizando do visual para complementar o elemento do áudio.

Assim, por meio de lives no TikTok, enigmaticamente ao longo da divulgação do produto, pintava-se uma grande parede em uma cidade até então desconhecida na característica cor verde. Logo, pessoas especulavam cada vez mais em todas as redes sociais sobre o que se tratava e onde se localizava essa parede. Surgiu-se, então, a mais famosa “BRAT Wall”, localizada em Nova York, que aos poucos, por meio da sua transmissão, serviu como meio para a mensagem propagada. Logo, letras foram escritas revelando a identidade do álbum, o que gerou, através de especulações feitas em vídeos, tweets e posts, uma grande antecipação, bem como sentimentos positivos e negativos sobre esses elementos, uma movimentação que preparava o terreno para seu sucesso global. 

Além disso, utilizando da “FOMO” - Fear of missing out (Do inglês, se refere a um medo de não conseguir acompanhar as atualizações e eventos compartilhados nas mídias digitais), ela aumentava a necessidade de se ouvir às músicas, também fazendo shows em baladas reclusas (Boiler Room) e em caminhões seguidos por multidões pelas ruas, tocando trechos das músicas e as remixando ao vivo.


Primeiro Set de Charli XCX no 'Boiler Room', em NYC | Reprodução: Canal Oficial Boiler Room

O álbum então, que tem seu som permitido pela cultura eletrônica, desfruta da velocidade caracterizada não apenas pelos synths, mesas de mixagem sonora e bastante auto-tune, mas também da velocidade instantânea dos meios eletrônicos de comunicação. Essa união contribui para a integração sensorial dos fãs e de um público completamente novo a este som, por meio das brilhantes estratégias de utilização do meio digital. Assim sendo, as quinze faixas do disco discutem tópicos como inseguranças, traumas, recomeços, amor, críticas à indústria, sua própria carreira, ciúme, perda e outros assuntos que, pela composição sonora do álbum, parecem fugir do pop relatable (ou seja, identificável) mais visto na cultura recente, mas ainda assim traduzem sentimentos, mais do que válidos, vividos pela artista e principalmente pelas “BRAT girls”.

Esse contraste entre sons, temas e também do futurismo com fortes inspirações dos anos 2000, cria seu próprio estilo de um pop eletrônico extremamente caricato, que ao mesmo tempo é produto de si e de seu público. Por isso, logo o álbum tomou grandes proporções. Em entrevista à Billboard, Charli comenta sobre as motivações do álbum: “Cansei da ideia de metáfora, do lirismo floreado e de não dizer exatamente o que penso, como diria a um amigo em uma mensagem de texto”. Essa fundamentação é uma reflexão direta da sociedade eletrônica e sobretudo midiatizada, que vê na internet a possibilidade de fazer exatamente isso. Ademais, vale ressaltar a influência da cultura “party girl” perpetuada e diretamente mencionada no álbum, que reflete uma necessidade pós-pandemia de voltar às festas e ao contato humano, ainda marcado pela tecnologia e rapidez. Ela serve como contracultura à realidade recortada e idealizadora perpetuada pelas redes sociais, em especial os aesthetics “clean” e perfeitos.

Em conjunto, todos esses elementos apresentados se somam e fazem de BRAT uma forte influência cultural. Logo, sua identidade foi além do verde-neon e se tornou mais do que um estilo musical: tornou-se um lema a ser seguido. Rapidamente vimos, então, o surgimento de novas trends, danças no TikTok, aspiração de um lifestyle de festas, roupas messy (bagunçadas) e despojadas. Essa rapidez levou a cantora à lançar, apenas três dias após o álbum, sua versão deluxe intitulada “brat and it’s the same but there’s three more songs so it’s not”, ou seja, o álbum é o mesmo, mas contém três novas músicas, e a capa é escrita na mesma fonte, porém com o fundo branco. Essa “era”, ainda marcada pelos assuntos discutidos nas músicas, referências à outras artistas e garotas do pop, também teve um visual marcado pelos videoclipes metalinguísticos que trazem pessoas mencionadas nas músicas, lugares e assuntos novamente à tona. 

Logo, a equipe da cantora lançou o famoso site “brat generator”, com uma composição simples e direta, servindo apenas como um teclado que transformava qualquer palavra ou frase na identidade BRAT. Isso permitiu que as pessoas se sentissem ainda mais próximas do álbum, em um sentimento de que qualquer um pode ser e fazer BRAT. Rapidamente, o gerador foi utilizado de inúmeras formas, causando novas tendências de legendas em vídeos, áudios e músicas e criando produtos baseados na estética da fonte e no simples verde. Com essa estratégia em curso, qualquer coisa era passível de atribuição ao álbum, e o perpetuava enquanto a artista utilizava de outras estratégias de conexão direta ao público, como outdoors, a contínua pintura e repintura da BRAT wall, lançamento de merchandising, vídeos no TikTok e colaborações com outros artistas.


Brat Generator e suas variações de uso | © 2025 Charli xcx & Atlantic Records


E foram a partir destas que a terceira versão dele foi lançada em outubro do mesmo ano, intitulada “brat and it’s completely different but also still brat”, que agora tinha sua tipografia invertida, de volta ao influente verde (agora já intitulado de verde BRAT) e composto por trinta e quatro músicas. Essa versão possui colaborações com artistas como Troye Sivan, Billie Eilish, Lorde, The 1975, Bon Iver, e outros, o que permitiu a sobreposição de sua base de fãs com outras, aumentando ainda mais sua influência. 

A esse ponto, a artista já havia abraçado completamente sua nova marca, mudando até mesmo a capa de todos os seus álbuns anteriores à cores neons escritas em arial. Com isso, não foi surpresa a ninguém quando o álbum foi indicado ao GRAMMY, em 8 categorias, incluindo a principal “Álbum do ano”. Charli levou para casa os prêmios de “Melhor Álbum de Dance/Eletrônica e Melhor Gravação de Pop Dance”, reforçando sua colocação “entre gêneros”. Apesar do álbum vencedor do ano ter sido ”Cowboy Carter” de Beyoncé, é impossível dizer que teve uma influência cultural tão grande e bem sucedida quanto o de Charli. BRAT foi o álbum do ano não apenas para os fãs (mesmo que ainda não para a premiação da Academia de Gravação), chegando a ser eleita como a palavra do ano. Não se fica mais influente do que isso.

Fica claro, para além das teorias de Marshall McLuhan, que a internet e a tecnologia são a mensagem de BRAT. Ele molda a internet, em uma mútua relação de determinação do conteúdo e de prolongamento às necessidades humanas. BRAT é uma extensão de necessidades recentes e é também a extensão de uma nova e influente mídia. Essa cultura culminou em um tour do álbum pelo globo (SWEAT TOUR), que é muito mais do que os shows da cantora, ou do “BRAT Summer” que caracteriza o estilo de vida baseado no que o álbum representa. É a extravagância, a expressividade, a conexão humana com a tecnologia; é sobre um novo cotidiano repleto de nuances, seja na coletividade ou na individualidade. Quase um ano após de lançamento, ainda há formas de se reinventar em conjunto com o álbum e, simultaneamente, o BRAT Summer acaba, mas toma uma nova forma, e recomeça.

Cerca de três meses antes do aniversário do disco, em meio a incertezas sobre o que o segue, Charli enigmaticamente reinventa mais uma vez o álbum. A nova e repentina capa aparece com riscos acima do escrito original, quase afirmando as considerações da indústria de que o verão BRAT acabou. A cantora coloca em suas redes: “Porque mesmo estando neste casaco, também estou usando chinelos então acho que estou pronta para brat summer round 2 eu acho lol”. 

Será que faremos tudo novamente? Ainda nas palavras de Charli XCX: "A música não é importante, o talento artístico é. Nem todos os artistas tem talento artístico. Um músico cria uma música, mas um artista cria um mundo inteiro. Um grande artista para mim, é mais do que apenas as músicas, é a cultura e o espaço que eles ocupam. A música sozinha não consegue criar um mundo, o artista cria o mundo". No momento apenas uma coisa é certa: a cultura eletrônica, sobretudo na música, veio para ficar e quebrar padrões, seja de forma totalmente nova, ou reinventando estilos e elementos já existentes da indústria cultural mundial. E são artistas capazes de criarem mundos em torno da música os principais atuantes dessa nova fase, modificando a cultura e criando novos espaços.



 
 
 

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